terça-feira, 21 de setembro de 2010

Militantes Homossexuais X Religiosos Fundamentalistas: preconceito, interesse político ou mera confusão entre o público e o privado?

Em 2010, cidadãos brasileiros irão às urnas para escolherem seus representantes. Esta será a maior eleição depois do movimento das Diretas Já – uma vez que os brasileiros votarão em um presidente, um governador, dois senadores e dois deputados, um estadual e um federal. As Diretas Já se propuseram a redemocratizar o Brasil e, desde então, através da escolha de representantes, a maioria escolhe seus futuros líderes políticos que, em teoria, defenderão seus direitos.


Os candidatos, uma vez eleitos, entre outras atividades, irão propor projetos e votar aprovando ou reprovando novas legislações ou mesmo revisando e reformando as já existentes, sempre pensando no interesse dos cidadãos brasileiros. Eis que surge um problema, afinal, tão diverso quanto o nosso povo, são os interesses dos diferentes grupos e dos milhões de indivíduos deste país. É, pois, nesta diversidade de ideologias e anseios que nasce um dos significados da política, ou seja, o conjunto de regulações, leis, normas e modos institucionais que permitem que um contrato entre os diferentes grupos sociais seja estabelecido.

Na teoria, a política deveria se basear em pensamentos e atos racionais e, sobretudo, livres de qualquer ideologia, principalmente ideologias religiosas. Afinal, esta é a grande diferença entre a era contemporânea em relação às demais épocas (no Ocidente, vale a ressalva), onde Estado e igreja são coisas distintas, ou seja, o Estado é uma instituição laica, ou pelo menos deveria ser. Laico, do latim, é aquele que é independente em face do clero e da Igreja, e, em sentido mais amplo, de toda a confissão religiosa, segundo a definição do dicionário Houaiss da língua portuguesa.

Desta forma, o Estado deve zelar pela livre manifestação religiosa e não mais que isto. Não deve e não tem o menor sentido incorporar os preceitos de qualquer religião em suas determinações, como, por exemplo, manifestam alguns candidatos quando dizem que se deve levar os preceitos cristãos para as instituições públicas. Cabe a pergunta: no Brasil só existem cristãos para que as leis sejam baseadas em tais preceitos? Com certeza não, afinal, os brasileiros se dividem entre tantas denominações religiosas e há de se levar em conta os que não se identificam com tais correntes filosóficas. Ao se basear em um dogma religioso (seja ele de qualquer religião) para pensar em uma lei, uma determinação, o Estado cometeria um sério engano.

Ao abordar tais questões, dá-se a impressão que não estamos falando do século XXI, mas de séculos passados como o XVIII ou mesmo o XIX, quando a influência da Igreja Católica era muito grande tanto nas esferas sociais quanto na política. Porém, um movimento político, bastante peculiar, vem ocorrendo dentro das diversas casas políticas. O fundamentalismo religioso tem tomado grande espaço nas cadeiras parlamentares e, com isso, atravancando o avanço da conquista dos direitos homossexuais.


Ancorados em um discurso que remete à Idade Média, religiosos fundamentalistas católicos e protestantes (sim, nesta hora estes dois grupos são totalmente convergentes, mesmo que na maior parte de seus dogmas e doutrinas, eles sejam totalmente divergentes e cheguem à troca de agressões verbais, provocações públicas e em alguns casos a violência física), dizem estar em defesa da família – entenda-se por família a concepção de família nuclear formada de pai, mãe e dois filhos, o menino sendo o primogênito, preferencialmente. Este discurso de defesa da família se baseia em um dogma cristão católico, absorvido pelos protestantes, onde se diz que o casamento (heterossexual, evidentemente) é uma das instituições de Jesus Cristo, ou seja, instituição do próprio Deus, uma vez que as religiões cristãs têm em Cristo a manifestação do próprio Deus. Não irei me aprofundar nesta questão do dogma do casamento ser ou não uma instituição do próprio Jesus Cristo, mas, os que conhecem minimamente a história sabem que a Igreja cristã só começou a ministrar tal sacramento no período medieval, ou seja, o sacramento nada tem a ver com as determinações de Deus. Mas como disse, esta é outra questão. O fato é que os líderes e fiéis fundamentalistas são radicalmente contra as lutas e conquistas dos direitos homossexuais. E por conta de um grande número de fiéis que são induzidos a votar em seus líderes religiosos, ou então, nos candidatos indicados por eles, as cadeiras políticas são tomadas por pessoas que não respeitam a laicidade do Estado e encontram formas de impedir o avanço de leis que tramitam nestas casas e que são de interesse da comunidade LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e trangêneros), no que tange a defesa de suas manifestações ou mesmo negando os direitos que são tão comuns aos heterossexuais.


Ser católico, evangélico, espírita ou pertencer e seguir qualquer outra prática religiosa é um direito garantido pela Constituição. A Carta Magna é clara e iguala a todos os brasileiros. Mas na prática não é bem assim. Em 1988, no mesmo artigo que defende esta diversidade religiosa e também equipara homens e mulheres, pessoas de todas as regiões do país e de todas as raças, não deixa claro, a questão da igualdade entre pessoas heterossexuais, homossexuais, bissexuais ou transexuais. Daí o fato desta parcela da sociedade ser tão lesada pelo próprio Estado. É evidente que muita coisa mudou desde 1988 até os dias de hoje. Por isso é até compreensível que este ponto não tenha sido explicitado no artigo 5º da Constituição. Porém, as mudanças na sociedade ocidental, onde se insere o Brasil, as conquistas LGBTs ao redor do mundo e também em nosso país (através de determinações judiciais) e o aumento da visibilidade deste grupo fazem com que sejam necessárias medidas que vão ao encontro dos interesses também deste grupo. Qualquer grupo, qualquer parcela da sociedade deve ser defendida pelo Estado. Eis o princípio de igualdade.

O que ocorre, no entanto, é uma grande confusão do público e do privado. Por exemplo, ser cristão ou judeu; torcer por um time ou outro; usar saia, calça ou o Hijab (o lenço que envolve a cabeças das mulheres muçulmanas); ser hétero, gay, bissexual ou transgênero é uma questão pessoal, ou seja, pertence à esfera privada é um direito de todo cidadão brasileiro, o direito de conduzir sua vida da forma que lhe for mais adequada. Está na esfera pública, por exemplo, os atos que devem ser praticados por todos os brasileiros, independente de qualquer coisa: votar, ter seus direitos respeitados, cumprir com a lei, expressar-se livremente, desde que respeitando o direito e espaço do outro.

Desta forma, quando um político, um juiz ou mesmo qualquer cidadão toma uma decisão em relação ao outro, tendo como princípio o preceito de sua religião (algo que pertence à esfera privada) está desrespeitando o artigo 5º, já mencionado. Da mesma forma que toda forma de manifestação religiosa deve ser respeitada, a expressão da sexualidade (que também é um direito) também deve ser respeitada em sua diversidade.

Está, assim, bastante equivocado, o pastor evangélico Paschoal Pirangine Júnior, em seu posicionamento, que pode ser visto em um vídeo publicado na internet. Nele, o pastor aborda uma temática que ele chama de iniquidade. Segundo ele, iniquidade é o próprio pecado que é tão recorrente na vida de uma pessoa a ponto de se tornar uma atitude comum e não ser mais percebida como pecado. O líder religioso vai além e diz que algumas pessoas querem oficializar algumas destas iniquidades (destes atos que ele considera pecado) e conclui, utilizando-se de um texto bíblico, dizendo que toda a nação que pratica a iniquidade será julgada por Deus. Após esta explicação à sua platéia de fiéis, ele exibe um filme que traz as tais iniquidades a que ele se referia. A primeira “iniquidade” que aparece trata-se do PCL-122 de uma cena da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo em 2010 onde o presidente da ABGLT (Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros), Toni Reis, atenta para o fato de serem 3 milhões de pessoas na passeata (a maior do mundo) e mesmo assim o Brasil não tem uma legislação que defenda o segmento LGBT. O vídeo mostra ainda quando o mesmo líder alerta para o fato de a comunidade gay tomar cuidado com os fundamentalistas religiosos e votar em candidatos que defendam os direitos homossexuais. Depois desta cena aparece a transexual (colocar o nome dela), candidata a deputada, falando que a bíblia não se trata de um livro escrito por Deus, mas sim, um livro que tem a ver com a cultura de um povo. O vídeo continua apresentando outras “iniquidades” tais como a questão do aborto, das drogas, do divórcio, entre outras. Porém, vou me atentar somente à questão da homossexualidade e seus desdobramentos. O PCL-122 é um projeto que tramita e que pretende criminalizar a homofobia (o preconceito contra homossexuais). Os cristãos, sobretudo evangélicos, argumentam que esta é a Lei da Mordaça, uma vez que eles não poderão dizer que a homossexualidade é um pecado e não poderão mais pregar segundo sua fé. No entanto, trata-se de uma manifestação meramente preconceituosa. Se trocássemos a palavra “homossexual” pelas palavras “negro”, “judeu” ou “nordestino”, certamente eles se manifestariam totalmente a favor. Prova notória de puro preconceito.

Alguém pode se perguntar: “Mas, se o presidente da ABGLT, Toni Reis, pode dizer para os que estavam presente na Parada Gay não votarem em fundamentalistas religiosos e sim em candidatos que defendam os direitos homossexuais, porque o pastor Paschoal não pode dizer para seus fiéis que votem em candidatos que sejam contra as manifestações e direitos homossexuais?”

A resposta é bem simples. Tanto um quanto outro está defendendo suas visões. No entanto, há uma diferença, talvez uma sutil diferença no discurso de ambos. O presidente da ABGLT alerta para o fato de não se votar em fundamentalistas religiosos que são contra os direitos homossexuais e votarem em pessoas comprometidas com a comunidade LGBT, ou seja, uma questão que é um direito, ou que deveria ser, e que faz parte da esfera pública. Já o pastor diz que a homossexualidade é um pecado, uma iniquidade, e vai além, pede pra que seus fiéis votem em pessoas que sejam contra os direitos homossexuais. O que difere Paschoal de Toni Reis é justamente o fato de o pastor estar fazendo uma confusão do que diz respeito ao público e ao privado e querendo que um preceito religioso (no caso o da religião dele, uma vez que a homossexualidade não é considerada pecado em todas as religiões) seja base de bloqueio de um direito de pessoas que sequer praticam a mesma fé que ele.

Para concluir, quero deixar dois questionamentos: 1. sempre que se vai votar uma lei em favor dos homossexuais, fundamentalistas religiosos vão para a frente das câmaras ou do congresso para manifestarem que são contra e tentar impedir o avanço de tais leis, no entanto, alguém já viu algum homossexual fazer a mesma coisa e tentar impedir o direito de alguém ser evangélico, católico ou praticar qualquer outra religião? 2. os fundamentalistas religiosos sempre se manifestam contra os direitos homossexuais, porém, porque nunca se manifestaram propondo que, já que os gays não devem ter direitos, também não devem ter deveres como o pagamento de impostos, por exemplo? O fato é que existe uma dose grande de preconceito, interesses políticos bem claros e uma grande confusão do que é público e do que é privado. Somos uma nação jovem e temos muito que amadurecer politicamente. Mais ainda, temos muito que amadurecer enquanto cidadãos e seres humanos...


Referências Bibliográficas:

MACRAE, Edward. A construção da igualdade: identidade sexual e política no Brasil da abertura. Campinas: Unicamp, 1990.

PRADO, Marco Aurélio Máximo. MACHADO, Frederico Viana. Preconceito contra homossexualidades: a hierarquia da invisibilidade. São Paulo: Cortez, 2008.

TREVISAN, João Silvério. Devassos no paraíso: a homossexualidade no Brasil, da colônia à atualidade. Rio de Janeiro: Record, 2007.

VIDAL, Marciano et all. Homossexualidade: ciência e consciência. São Paulo: 3 ed., Loyola, 1998.
Posicionamento do Pr. Paschoal Piragine Jr sobre as eleições 2010. O vídeo pode ser visto através do link: http://www.youtube.com/watch?v=ILwU5GhY9MI

Referências fotográficas:

Foto 01: http://4.bp.blogspot.com/_KafztfIAXBw/TIXM1npSwcI/AAAAAAAAA2U/G1ON6JN5z4c/s1600/voto_gay.jpg

Foto 02: http://www.publico.pt/Sociedade/js-e-associacoes-de-direitos-homossexuais-condenam-palavras-de-cardeal_1365757

Foto 03: http://2.bp.blogspot.com/_336ltN4XpFc/SHObDdU3ZlI/AAAAAAAABCg/vMLei_Re0-8/s400/homossexualidade.jpg

Foto 04: http://www.blog-se.com.br/blog/conteudo/home.asp?idBlog=16299&id_destaque=312847

[1] José Maurício Lanza é aluno do sexto semestre do curso de licenciatura em história da Universidade Guarulhos.

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